domingo, 23 de maio de 2010

A PRIMEIRA ALDEIA GLOBAL – Um livro de leitura obrigatória…

Este livro, do jornalista inglês Martin Page (1938-2003), foi editado em Portugal no ano passado e constitui um fresco surpreendente e impressionante da história dos portugueses.

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São cerca de trezentas páginas por onde desfilam as origens, os invasores romanos e árabes, as lutas da reconquista, os caminhos sobressaltados da independência, a aventura marítima, a grandeza de João II, a saga dos viajantes, dos exploradores, dos santos e dos guerreiros (Pêro da Covilhã, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Afonso de Albuquerque, Francisco Xavier, Fernão Mendes Pinto, muitos outros...), os tribunais e os cárceres dos inquisidores, o impulso reformista do Marquês de Pombal, o fim das dinastias, a República, as ditaduras, as guerras, as revoluções. E o definitivo encontro dos povos - o do nosso com os outros...

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Martin Page aborda a História da maneira mais trabalhosa e difícil e, por isso mesmo, mais frutuosa e atractiva - é rigoroso com a documentação, escrupuloso e inteligente nos juízos, sugestivamente original no estilo e nas imagens.

De tudo resulta uma obra imperdível.

O Financial Times resumiu, com justiça, deste modo: "Martin Page apresenta-nos uma nova perspectiva sobre um país fascinante. "The First Global Village" é uma narrativa deslumbrante."

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Da introdução da obra, que Page intitula "Uma Nota Pessoal", seleccionamos dois excertos:

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I - "(…) A nós, ingleses, é fácil esquecer o facto de os portugueses, sob o comando de São Francisco Xavier, co-fundador dos jesuítas, terem vivido no Japão durante gerações, antes de os nossos antepassados saberem tão-pouco da existência desse país.

Os portugueses debateram teologia com os monges xintoístas, perante a Corte, e introduziram termos na língua japonesa que ainda hoje são utilizados, como, por exemplo, “arigato”, derivado da palavra “obrigado”. Levaram a receita da tempura, o fast-food preferido dos japoneses. Ensinaram-lhes a técnica de fabrico de armas e construíram edifícios capazes de aguentar tanto ataques de artilharia como terramotos.

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Na cidade de Nagasáqui, estas estruturas edificadas pelos portugueses sobreviveram durante séculos, tendo, em 1945, resistido muito melhor à bomba atómica do que as de Hiroxima.

Os portugueses foram conselheiros do imperador da China antes de Marco Pólo afirmar que ali tinha chegado. Levaram o piripiri para a Índia, permitindo a invenção do caril, que os ingleses lá descobriram, tendo-o levado para o seu país como uma amostra do Raj (domínio) britânico.

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Os timorenses de leste conquistaram a sua independência, em relação à Indonésia, em 1999, após uma das mais longas e mais amargas lutas pela independência da era pós-colonial. Um dos seus primeiros actos, após a criação do novo Estado, foi adoptar o português como língua oficial e reconhecer o escudo como moeda corrente.
Fortes emoções presidiram a esta decisão.
A intensidade com que o povo, em Portugal, viveu a libertação de Timor-Leste foi, e é, pouco compreensível para a maioria dos europeus.
Para os timorenses de Leste foi de tal modo importante que a língua portuguesa se transformou num símbolo da sua causa.
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Segundo outros, no entanto, a escolha não foi tão idiossincrática como muitos estrangeiros, sobretudo os australianos, julgaram inicialmente. O português é de longe a língua latina mais difícil de dominar e, por conseguinte, a menos susceptível de ser entendida por aqueles que pretendem ouvir as conversas alheias.
É também a terceira língua europeia mais falada, a seguir ao inglês e ao espanhol e antes do francês e do alemão.
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É claro que o Brasil e Angola dão um importante contributo a este dado ainda pouco conhecido.
Mas o português é também a “língua franca”, não apenas dos rancheiros do Norte da Califórnia, onde os touros são lidados com bandarilhas envoltas em pontas de velcro, a fim de cumprir a lei que impede a crueldade contra os animais, mas também das comunidades piscatórias na costa da Nova Inglaterra, como Provincetown e Providence, onde os portugueses são tidos como marinheiros de imensa coragem e perícia.
Na igreja de São Francisco Xavier, em Hyannis, frequentada, no Verão, pela família Kennedy, duas missas dominicais são rezadas em português.
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O mesmo acontece por detrás das portas de vaivém das trattorias italianas, em Londres, cujos proprietários, ou aqueles que as exploram, são predominantemente cidadãos lusos fazendo-se passar por italianos.
O comportamento discreto dos portugueses, em Londres, ficou tragicamente tipificado quando o party-boat "Marchioness” foi abalroado e afundado por uma draga no rio Tamisa. Praticamente nenhum dos media noticiou que aqueles que morreram afogados eram jovens quadros bancários portugueses, que trabalhavam na City, o centro financeiro de Londres, e estavam a festejar o aniversário de um colega.
Em Paris, os portugueses também são proprietários, ou exploram, mais de 400 restaurantes, dos quais alguns “latino-americanos” e outros, a maioria, “franceses”.
O ícone mais recente e cintilante da cidade – a pirâmide do Louvre – foi edificado por uma construtora portuguesa.
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O português é a segunda língua mais falada em Joanesburgo, na África do Sul; na cidade de Newark, em Nova Jérsia; no Luxemburgo e em Caracas, a capital da Venezuela.
Existem comunidades de cidadãos de língua portuguesa nascidos na Índia, Malásia, Formosa e China, bem como nas Bermudas, em Jersey, Toronto, Los Ângeles e Brisbane, para além de muitas outras localidades.
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Estes dados não se reflectem nos números oficiais, porque a maioria dos portugueses que vivem no estrangeiro são cidadãos do país onde residem. Só que, como Mário Soares, um dia, afirmou: A língua é o vínculo, falar português é ser português.
Estão por todo o lado, mal se fazendo ouvir, de tal modo que poucos de nós damos pela sua presença. (…)"
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O segundo excerto refere-se ao primeiro encontro que o então correspondente de guerra Martin Page teve (pelo menos conscientemente, como ele diz) com os portugueses.
Foi no Sul de África, no meio de um dos muitos conflitos que então abrasavam o Continente.
Talvez tenha germinado naquele momento difícil, no subconsciente de Page, a ideia-mestra deste livro.
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II - "(...) Estava-se a meio da tarde. O Congo envolvera-se em mais uma guerra civil. Correspondente no estrangeiro, acabado de chegar de Londres, eu era ainda um novato nestas andanças. Encontrava-me à beira da estrada que liga Ndola a Elizabethville, com quatro costelas e o ombro esquerdo fracturados.
Um soldado das milícias catanguesas tinha o cano da metralhadora encostado às minhas costas, enquanto os seus colegas remexiam na minha bagagem, que se encontrava por entre os destroços do carro alugado.
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Havia uma enorme quantidade de mercenários brancos, da África Setentrional, em veículos roubados, fugindo da zona de guerra onde eu tinha procurado chegar.
Vários condutores abrandavam, mas ao verem a milícia aceleravam de novo. Terão passado por mim mais de cinquenta. Depois chegou uma carrinha Peugeot nova. O condutor meteu travões a fundo, fez marcha-atrás na minha direcção, abriu a porta traseira e gritou:
- Salta para dentro.
- Tenho uma arma apontada às costas.
- É por isso mesmo que estou a dizer para saltares cá para dentro.
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Obedeci. Ele acelerou. Com o ombro fracturado, não podia fechar a porta, e o vento acabou por se encarregar de o fazer.
Aproximámo-nos do posto fronteiriço. O condutor buzinou fortemente, fez sinais de luzes e acelerou.
Os guardas, temendo, pelo menos aparentemente, que ele espatifasse a nova barreira, levantaram-na à pressa.
Tínhamos acabado de sair de um território autoproclamado República do Catanga.
Mas por que é que os guardas nos teriam deixado passar, sem abrir fogo?
- Não têm munições. Não lhes pagaram os ordenados. Damos-lhes cigarros, que eles trocam por comida.
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Através do reflexo no retrovisor vi o rosto do condutor, um semblante grave, mas impassível.
Tal como o seu companheiro, devia andar na casa dos trinta anos, tinha uma tez típica do Sul da Europa, cabelo escuro e um bigode cuidadosamente aparado.
Envergavam camisas brancas acabadas de lavar e de engomar. Traziam ao pescoço um pequeno crucifixo e um medalhão pendurado num fio de ouro.
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Disseram-me que faziam contrabando de cigarros para o Congo, a partir do território que é hoje a Namíbia.
Levaram-me a uma clínica junto à mina de cobre, em Kitwe, onde me fizeram uma radiografia, deram-me uma injecção e ligaram-me.
Transportaram-me, depois, até uma casa de repouso da companhia mineira, onde me apresentaram à administradora inglesa.
- O chá da manhã é às cinco e meia - disse ela.
- Não vou querer. Preciso de descansar.
- Lamento - afirmou ela -, mas, se abrisse uma excepção consigo, todos os outros queriam o mesmo, não é? O último pequeno-almoço na sala de jantar é às seis e meia.
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Fez-me uma ligação telefónica para Terence Lancaster, o meu editor-chefe em Londres, que me disse:
- Lamento muito o que te aconteceu, só que há um motim numa fábrica de cigarros, na Cidade do Cabo, e, se não estiveres lá amanhã de manhã, parto-te o outro ombro.
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Os meus salvadores pagaram-me um copo de aguardente sul-africana, deram-me um maço de Rothmans, verificaram se tinha dinheiro suficiente na carteira e, depois, deixaram-me, de novo, entregue à cultura indígena.
Nunca mais os tornei a ver.
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Foi a primeira vez que, pelo menos conscientemente, me tinha cruzado com portugueses - um primeiro encontro, não apenas com a sua extraordinária disponibilidade para ajudar um estrangeiro em apuros, mas também com o seu misto de fanfarronice, honra, ingenuidade e sangue-frio. (...)"

(Cópia da Torre da História Ibérica)

Críticas de imprensa

«Martin Page apresenta-nos uma nova perspectiva sobre um país fascinante. A Primeira Aldeia Global é uma narrativa deslumbrante.»
The Financial Times

«Em A Primeira Aldeia Global, Martin Page corrige brilhantemente uma lacuna. É uma obra clara, erudita, divertida e sempre actualizada.»
The Daily Mail

«Martin Page é cheio de vivacidade.»
The New Yorker

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