Fernando Conceição VS Pedro Castro e Silva
Vou lançar um desafio ao amigo Pedro Castro e Silva...
Em primeiro gostaria que ele lesse com atenção o texto de Fernando Conceição.
Depois em forma de “esquiço” desenhar o sonho deste grande médico, e ver passado quase um século, o que de facto foi feito, e o que ainda podia ser feito...
Quem sabe se um dia vou ver este desafio aceite pelo Arquitecto com maior projecção da freguesia...
Aos homens de boa vontade
Repartida pelas duas margens do Uima, que coleia serèno entre renques de amieiros, levanta-se a frèguesia de S. Jorge, onde brotam as mais bem localizadas termas do norte do país.
Em síntese, é uma tiligrana de verdura num escrínio de pinheiros. A natureza, em vez de aspectos grandiosos, dá-nos a sensação de conchego e ganha em variedade o que perde em extensão. Não se olha em extasis; observa-se em ternura.
Esse sentimento levou os banhistas a buscar designações novas para os lugares preferidos e que vincam de forma inconfundível o pendor de alma que o panorama lhes creou—a velha Fonte do Ribeiro de clara linfa e luxuriante vegetação é hoje a «Fonte dos Amores» e a Ponte dos Candeidos, poetizada pelas noites luarentas que esbatem em penumbra a sombra dos salgueirais no rio sonolento, chama-se hoje a «Ponte da saudade».
Sob o influxo vitalizador das suas águas termais todo o organismo se transforma: as articulações pêrras de o reumatismo readquirem a mobilidade, a pele esfoliada, dura, de crostas repelentes, alisa-se, amacia-se, torna-se flexível, o aparelho digestivo limpa-se de catarros, expurgasse de dispepsias, drena-se de bílis e até a dura fibra cardíaca, tocada pela acção emoliente dos banhos e pela sedução da paisagem, deixa de ser músculo estreme e desabrocha a sua espiritualidade em flirts e casamentos.
Tais são as razões que todos os estios trazem até estas termas cêrca de um milheiro de doentes; mas êsse número deve aumentar, devemos completar as virtudes da natureza com um conjunto harmónico de factores que sejam outros tantos incentivos ao aumento da frequência.
É possível consegui-lo?
É, desde que se expurguem estas termas dos êrros acumulados de geração em geração e se entre num período construtivo racional.
Numa terra onde a maioria dos edifícios é recente e, portanto, que se poderia ter delineado em conjunto, calculando, de antemão o eleito arquitectónico sob o aspecto de beleza cenográfica, deu-se licença a cada indivíduo de construir casas a ésmo, sem atender à arquitectura de cada uma nem ao conjunto prespéctivel do sitio em que se edificavam.
Daí quantos crimes de lesa-beleza, quantas barbaridades, cometidas!
O próprio edifício termal reflete o gosto caraíba do primeiro curioso de cujas sabencas as suas obras depondem. As suas pinturas não se arreceirm de ombrear em policromia com os lenços vianeses e até o frontão que lhe encima a fachada monumental apoia a sua senectude a uma colona supranumerária, à guisa de muleta.
Ora não devemos deixar protelar-se indefinidamente tal estado de coisas. Criemos uma comissão técnica a cujo cargo esteja o traçado geral das termas que véle pela beleza arquitectónica particular ou geral dos edifícios, que superintenda na construção dum novo edifício termal de linhas grandiosas (o existente seria, a pós algumas modificações, reservado às classes inferiores) provido do mais moderno material de hidroterapia e mecanoterapia, com o seu laboratório para analises clínicas, destinado aos trabalhos inerentes a uma estação termal moderna e á investigação cientifica.
No môrro da Sé, vestido de árvores, um hotel sumptuoso, a cavaleiro do Parque. Este estendendo-se aos baldios do Rio da Sé, e aos campos visinhos que marginamo o Uína, uma larga avenida descendo desde a estrada da Corda o monte fronteiro ao rio da Sé, e penetrando no Parque atravez de um portão monumental até acabar num largo espaçoso junto do Balneário, Depois, dentro do Parque, tufos de verdura, recanto de arvorêdo, cascatas de fontes o Uima alargado em lago extenso sulcado de barcos, semeado de ilhas, àlém clareiras de campos de jogos, e na Avenida Central bazares, barbearias, casas de frutas, bars, etc...
Estou a "ver daqui o sorriso cético dalguns que me lêem. São os que vão delindo em lágrimas o ideal que não procuraram realizar.
Homens de bôa vontade!
Homens que sem derrotismos, sem o desalento dos povos que na quietude mansa da impotencia param na estrada da Historia á espera da derrocada final: homens, metemos ombros á tarefa!
Excelentíssimo Senhor Presidente da Camara da Feira, Digníssimos Vareadores! Estarão esgotados todos os recursos para fazer das Caldas de S. Jorge, aquilo que o desejo nos péde?
Não. A Câmara que já muito tem feito, não pôde arear com a responsabilidade material da obra ? Pois bem, irmanados pelo mesmo ideal, vamos lá acima ao Ministério e roguemos para a nossa Terra o subsídio que para as outras não tem sido negado.
Tracemos um plano geral desta obra grandiosa e realizemo-la lenta mas persistentemente.
Foz do Douro, Julho de 1936.
Fernando Conceição
(Medico hidrologista)
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